Oito escolas do grupo de acesso se apresentaram nos dias 28/01 e 04/02, encerrando assim a temporada de ensaios técnicos da divisão.

Fabricio Pires e Giovanna Justo no ensaio de Niterói I foto: Malu Alves

Dia 28/01

O terceiro dia de ensaios da Série Ouro foi de uma disparidade brutal.

Enquanto União de Jacarepaguá e Vigário Geral fizeram ensaios mornos e enxutos, Unidos de Padre Miguel e Porto da Pedra botaram a Sapucaí abaixo.

A arroz com couve de Campinho, se tem uma bateria competente e um grande enredo – é realmente uma felicidade muito grande ver sendo cantados Manoel Congo e Mariana Crioula, heróis da resistência negra no Rio -, carece de uma comunidade mais engajada e “cancha” – afinal retorna à Sapucaí depois de bons 9 anos afastada. Já Vigário Geral luta para se firmar no grupo em sua terceira passagem consecutiva na Série Ouro. Com um samba frágil, um enredo genérico sobre a infância e uma comunidade ainda muito fria e reduzida, a escola precisa trabalhar se quer dar um salto de qualidade.

Daí que a UPM começou a se organizar. Mestre Dinho deu uma andada pela armação, Bruno Ribas fez aquele reconhecimento de gramado ao lado do carro de som, a comissão de frente começou a se aquecer. Quando a bateria furiosa começou a entrar pista adentro o público foi ao delírio. Como se não bastasse, a escola ainda me chega com o tripé dum boi que soltava papel picado pelas ventas – e que segundo amigo que acompanhava o ensaio comigo poderia ser tranquilamente uma alegoria nota 10 na Intendente – e alça a rainha de bateria às alturas em uma traquitana.

E o ensaio nem tinha começado ainda.

Quando o pagode efetivamente começou não restava dúvidas de que Padre Miguel fazia o melhor ensaio do grupo até ali, ensaio que dificilmente seria superado – o que não significa que a escola seria campeã antecipada; longe de mim distribuir o troféu pré-carnaval. O samba que ilustra o enredo sobre a influência moura no Nordeste, se não é um primor, é animado e tem gatilhos de canto que funcionaram uma barbaridade. Com Bruno Ribas nos vocais, uma das melhores baterias da cidade e a continuidade do trabalho do sempre brilhante Edson Pereira – que esse ano divide a caneta com Wagner Gonçalves -, a escola dá cada vez mais provas de que faz hora extra no grupo de acesso.

Foi a UPM passar que parece que os ventos mudaram na Sapucaí. Um certo cheiro de orvalho começou a ser sentido, uns sussurros estranhos eram ouvidos aqui e ali; a atmosfera agora era outra.

Frisson. Expectativa. Ninguém respirava.

Eis que a Porto da Pedra virava a esquina da Marquês de Sapucaí.

O enredo amazônico construído a partir da literatura de Jules Verne, um dos pais da ficção científica como conhecemos hoje, resultou num dos maiores hits do pré-carnaval. Onde tem sambista tem gente puxando Warrãna-rarae. Só a vontade de ouvir Nêgo cantando o samba de 2023 do tigre já justificava a ansiedade. E a escola fez questão de mostrar que a expectativa tinha razão de ser: o ensaio foi um estouro. Se a plástica da Porto da Pedra estiver no mesmo patamar da parte musical os gonçalenses são favoritíssimos ao caneco.

Importante registrar: quem fez a escalada da Porto da Pedra, caso único na Série Ouro, foi o narrador oficial da Sapucaí. Nos discursos que antecedem a entrada da escola, além do salve a Sandro Avelar, presidente do Império Serrano, também tivemos uma palavrinha do prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson. Além disso alguns sambistas notaram que os caminhões de LED usados pela escola durante o ensaio tinham o logo da Liga RJ.

Dia 04/02

Os ensaios técnicos da Série Ouro não poderiam terminar de outra forma: a noite foi uma zona.

Começando pelo atraso de quase 1 hora e meia para o início dos trabalhos. A organização dos ensaios até conseguiu corrigir alguns problemas – a Sapucaí já conta com frisas ao longo de toda a pista e o número de gente aleatória transitando pela Marquês deu uma diminuída -, mas o horário continua sendo uma questão.

O grupo da noite não deixou por menos. Igor Pitta, apoio da Beija-Flor que voltou ao microfone da escola para o mini-desfile de dezembro, puxou a Em Cima da Hora sozinho, como tem sido recorrente. Sua dupla, Arthur Franco, que gravou sozinho o samba da escola para o CD, só fez o grito de guerra. A bateria da Acadêmicos de Niterói, que não fez o primeiro recuo, entrou destronada na pista – fato que rendeu uma conversa da nossa editora com o rei da escola, Juarez Souza.

Sobre as apresentações em si. A Em Cima da Hora tem um grande samba, muito bem defendido pelo Igor. O mestre Capoeira, um cracasso, parece estar em lua de mel com sua bateria. O homem montou uma dúzia de paradinhas e bossas e não teve medo de emplacar uma atrás da outra, sempre sob o olhar do mestre Lolo da Imperatriz. Se por um lado isso denota competência e entrosamento, por outro descaracteriza o samba da escola.

No mais, ouvir Os sertões na Sapucaí é uma solenidade.

O Império da Tijuca fez um ensaio de muita pressão. A começar pelo esquenta com Batuk – esse ano referenciado na letra do samba -; a impressão que eu tenho é que se fosse pela comunidade eles entravam cantando o vai tremer mesmo. Não que o samba do ano deixe a desejar; a homenagem ao lendário artista Carybé resultou num dos destaques da safra, muito bem defendido pelo carro de som liderado por “Danielzinho” Silva – com quem o companheiro Júlio Almeida diz querer trocar de voz – e entoado com galhardia pela comunidade. A escola tem quesito, chão e samba; a ver que bicho vai dar.

Em tempo: um dos membros da equipe de som da Sapucaí brincou comigo e com o Júlio antes do ensaio começar, bem no momento em que o presidente Tê – que entre outras coisas disse que a escola não tem dinheiro – agradecia ao presidente da Liga RJ, Wallace Palhares, nos microfones. Disse: “isso, tem que puxar o saco mesmo, se não vai cair”. Enfim.

A Acadêmicos de Niterói é uma coisa. Parece que esse surgimento repentino ainda causa estranhamento. Pela concentração a todo momento se ouvia falar em Sossego e o Palhares, ex-presidente da Lira de Niterói, era sem dúvidas a pessoa mais feliz na armação. A própria equipe da escola é virtualmente a reedição do time do último desfile da Sossego – e todos eles desconversam quando perguntados sobre o envolvimento com a nova escola. No mais, o ensaio foi abaixo. Se por um lado Niterói definitivamente tem quesito – Fabrício e Giovanna são um casal de muito respeito e, bem, André também é carnavalesco da Beija-Flor -, por outro a comunidade entrou fria, evidenciando ainda mais a fragilidade do samba.

Quem fechou a noite, e consequentemente os ensaios da Série Ouro, foi a São Clemente. A escola que passou mais de década no grupo especial quer provar que é sim favorita ao acesso, e que o fato de ser pouco comentada no pré-carnaval é mais preconceito que outra coisa. Mantendo boa parte da equipe e trazendo de volta o Jorge Silveira, a amarelo e preto de Botafogo dá basicamente continuidade ao bom trabalho desenvolvido nos últimos anos – exceção, é claro, ao hecatômbico desfile de 2022. A única novidade é o primeiro casal: Alex Marcelino e Raphaela Caboclo, dupla que passou recentemente pela Unidos da Tijuca.

O enredo da escola é ótimo, o samba é uma graça e o time é um dos melhores do grupo. Falta só combinar com a comunidade que a disputa é pelo caneco.

Essa foi a visão geral sobre os ensaios técnicos da Série Ouro para o carnaval 2023. Em breve a Bicuda trará ao querido leitor o panorama completo dos ensaios do Grupo Especial – será? -, afinal semana que vem tem a tradicional lavagem da Sapucaí – #vaiter – e o ensaio da atual Supercampeã do carnaval, Grande Rio – além de Beija-Flor, atual vice, e grande elenco.

By Thales Basilio

Thales Basílio é editor e redator, formado em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos pela UFF com pesquisa em carnaval carioca. Desde 2022 integra o time da Bicuda.

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