Um dia achou-se por bem colocar a velha-guarda para saudar o início do desfile de sua agremiação. Em algum momento a coisa ficou mais séria, e o pessoal passou a ensaiar uma coreografia simples. Os sambistas ilustres pouco a pouco deram espaço a um conjunto cênico mais complexo, esse conjunto virou quesito, ganhou dimensão.

E agora nós vemos o derretimento de tudo que se entende como abertura de desfile de escola de samba.

O que aconteceu na noite passada foi um desastre de proporções épicas. Tripés gigantescos que se abriam pruma “surpresa” sem propósito, jogo de fumaça que atrapalhava a visão da coreografia, trucagens que iam do nada ao lugar nenhum. Como se não bastasse, a Unidos da Tijuca ainda brincou de cabaré com as luzes da Sapucaí.

Desastre.

As escolas de samba precisam urgentemente se livrar desse esquema de pirâmide chamado tripé de comissão de frente.

Dito isso, foi uma noite de apresentações irregulares.

O Império Serrano tinha a sempre difícil missão de se fazer ser respeitada sendo a escola que vem do grupo de acesso. Para isso trouxe uma das grandes vozes em atividade no carnaval – como canta Ito Melodia – e lançou de enredo um de seus maiores ícones vivos. Arlindo Cruz acabou gerando um enredo simpático, apresentado sem firulas, e um samba muito aquém de sua importância e qualidade. Destaque para o primeiro e último carros-alegóricos, que traziam, respectivamente, um gigantesco dragão dourado e uma escultura do homenageado – além do homem em carne e osso.

A atual campeã Grande Rio veio em seguida, e o desnível estético ficou evidente. Os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora praticam algo totalmente diferente em termos de criação de carnaval. O enredo sobre as andanças de Zeca Pagodinho pelo subúrbio deu num desfile lúdico, poético e cheio de imagens marcantes – o que foi a ciranda de Sãos Jorges no abre-alas? -. Como era de se esperar o quitandinha de erê pegou, e a harmonia caxiense foi um dos destaques da noite. Infelizmente a escola teve problemas em evolução, e um dos carros passou com problemas na iluminação, o que deve tornar o bicampeonato um sonho distante.

A terceira escola a se apresentar foi a Mocidade Independente de Padre Miguel. E sem meias palavras: o desfile foi muito ruim. Alegorias sem acabamento, um conjunto de fantasias irregular, harmonia fraca e uma evolução catastrófica colocam a escola como candidatíssima ao descenso. Da homenagem aos herdeiros de mestre Vitalino se salvam o primeiro casal e a bateria de mestre Dudu. E só.

A Unidos da Tijuca deu sequência ao furdunço. O enredo sobre a Baía de Todos os Santos acabou resultando num desfile simpático. A plástica, se erra irregular, ilustrava bem o enredo. O samba, muito bem defendido por Wantuir e Wic e tocado num andamento frenético por mestre Casagrande, foi cantado com força pela comunidade do Borel. Não fossem alguns problemas plásticos e de evolução a escola brigaria forte por uma vaga no sábado das campeãs.

E aí entrou o Salgueiro. Poucas vezes eu vi um desperdício tão grande de dinheiro e empenho. A escola, que tem talvez o melhor casal do grupo e uma comunidade que sempre chega junto na harmonia, passou luxuosíssima, com carros opulentos e um conjunto invejável de fantasias; mesmo assim o desfile foi um caos. O enredo, que já era confuso, teve um desenvolvimento terrível, a evolução foi um Deus nos acuda e a comissão de frente foi uma das coisas mais despropositadas que a Sapucaí já viu. Tudo isso embalado por um samba que, na melhor das hipóteses, é um dos três piores já cantados pela Academia do Samba.

O júri do carnaval costuma ser complacente com o Salgueiro, por isso a escola periga voltar sábado. Sendo, porém, corretamente julgada, é desfile para disputar rebaixamento.

Última escola a se apresentar na primeira noite, a Estação Primeira de Mangueira sobrou. O enredo que debate a influência africana na música baiana foi desenvolvido com muita qualidade pelos estreantes Guilherme Estevão e Annik Salmon. Poucos foram os deslizes na parte plástica da verde e rosa. O samba, um dos destaques da safra, foi cantado com um empenho absurdo pela comunidade mangueirense. Destaque para as demais estreias da escola: a porta-bandeira Cintya Santos, os mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto e o intérprete Dowglas Diniz; todos defenderam seus quesitos com extrema competência.

By Thales Basilio

Thales Basílio é editor e redator, formado em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos pela UFF com pesquisa em carnaval carioca. Desde 2022 integra o time da Bicuda.

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