O incipiente mercado de apostas carnavalescas abriu odd para bateria mais acelerada? Só isso explica o andamento de quase todas as escolas da segunda noite de grupo de acesso.

Voltando ao principal palco cultural do mundo depois de anos conturbados, a União de Jacarepaguá abriu os trabalhos de sábado. O enredo sobre Manoel Congo e Mariana Crioula tinha tudo para render um desfilaço: a comunidade abraçou o bom samba da escola e o trabalho de barracão saltava aos olhos. Infelizmente as duas primeiras alegorias tiveram graves problemas de mobilidade, e a segunda precisou inclusive ser desmontada. Com um grande prejuízo em evolução e problemas em vários outros quesitos, a arroz com couve deve se complicar. De positivo fica a grande apresentação do primeiro casal e da bateria Ritmo União.

Para o delírio desse que vos escreve veio logo na sequência a Unidos da Ponte. O enredo que partia de Mãe Meninazinha de Oxum para falar de intolerância e racismo religioso rendeu um grande samba e uma plástica que surpreendeu a todos. Com um desfile forte em quase todos os quesitos, a agremiação de São João de Meriti pecou em um ponto fundamental: a fantasia das passistas não chegou, e a diretoria optou por retirar a ala do desfile.

Decisão simplesmente inaceitável.

Os corpos que sambam para e pela escola jamais podem estar sujeitos a arbitrariedades e decisões pragmáticas, quaisquer que sejam.

Por fim, destaco a presença de Helena Theodoro e Conceição Evaristo – dama, dona, gênia – no último carro da escola, alegoria que trouxe a homenageada.

A Unidos de Bangu foi a terceira escola a se apresentar. A agremiação da zona oeste trazia de 2022 um desfile contestadíssimo e lutava para provar que não precisa de complacência dos julgadores para alcançar uma boa colocação. O enredo sobre Aganju, qualidade de Xangô, resultou num samba bastante incensado no pré-carnaval e abria possibilidades estéticas interessantes. Na avenida o tema foi muito bem desenvolvido, com uma comissão de frente pirotécnica e alegorias grandiosas. Problemas em realização e harmonia devem afastar Bangu da briga pelo acesso, mas a escola certamente vai figurar na metade de cima da apuração.

Quarta escola a desfilar, a Em Cima da Hora trouxe Esperança Garcia para a Sapucaí. Esperança foi uma mulher escravizada que encontrou meios para denunciar por escrito o jugo a que ela e os seus eram submetidos. Pela sua atitude foi considerada retroativamente a primeira advogada do Brasil.

Sobre o desfile. Mesmo com problemas a agremiação de Cavalcanti conseguiu apresentar bem o seu tema. Destaque absoluto para Igor Pitta – olho nele! -, que puxou sozinho o bom samba da escola após a licença de Arthur Franco por motivos médicos.

A favoritíssima Porto da Pedra veio logo na sequência. Não há muito o que dizer: o desfile foi um sacode do início ao fim. O samba, um primor defendido por Nêgo, foi cantado por toda a Marquês de Sapucaí. O enredo foi desenvolvido com requintes de genialidade por Mauro Quintaes, sobretudo em alegoria. Destaque para o tripé que mostrava uma Amazônia metade de pé, metade incendiada, e para o último carro, que trazia não só a escultura de um indígena lendo Júlio Verne como também a imagem de quatro ambientalistas mortos pelo garimpo ilegal: Bruno Pereira, Dom Phillips, Dorothy Stang e Chico Mendes – todos citados no samba gonçalense.

O abre-alas da Porto da Pedra

O único senão do tigre é a comissão de frente, que se apresentou quase encostada na grade para dar espaço ao grande tripé utilizado na coreografia.

Mais uma das favoritas ao caneco, a União da Ilha foi a sexta escola a se apresentar na noite de sábado. O carnavalesco Cahê Rodrigues conseguiu traduzir muito bem o enredo que unia os 70 anos da tricolor insulana ao centenária da “dindinha” Portela. Teve muito Didi, Aroldo e Ilha do Governador, mas teve também Paulo, Natal e a águia mascarada do desfile portelense de 1995. Destaque para o deslumbrante conjunto de fantasias, prejudicado somente por uma ala que passou sem chapéu. A presença de Tia Surica na comissão de frente também merece menção. De negativo fica o samba escolhido pela escola para 2023, um dos mais frágeis do grupo.

A referência à águia portelense de 1995 no desfile insulano

A penúltima escola a passar pela Marquês de Sapucaí, e com o dia já claro, foi o Império da Tijuca. O povo do Morro da Formiga estava mordido pelo lamentável julgamento do desfile de 2022 e entrou na avenida com sangue nos olhos. O enredo sobre Carybé, artista que nasceu argentino e morreu como um dos maiores baianos que o Brasil já viu, resultou num grande samba e numa plástica estonteante. Ricardo Hessez e Júnior Pernambucano merecem todos os elogios. Destaco também a sempre soberba interpretação de Daniel Silva, um dos sujeitos mais generosos do samba, e a comissão de frente da escola, ao meu gosto a melhor da noite.

Se – e somente se – o julgamento for justo o Império da Tijuca está muito na briga pelo acesso.

A Inocentes de Belford Roxo foi a última escola a passar na Série Ouro, e assim o fez com o dia claro desde o início e com as arquibancadas praticamente vazias. O desfile acabou sendo morno, como tem sido recorrente com as agremiações que se apresentam nessas condições. O carnavalesco Lucas Milato conseguiu contar o enredo sobre as mulheres de barro com qualidade – embora, registre-se, a plástica não tenha sido das melhores. Casal e bateria passaram sem problemas, a evolução fluiu sem maiores complicações. Destaque negativo para a condução de Thiago Brito, que gritou o samba e comprometeu o trabalho do carro de som.

Palpites:

Porto da Pedra é favorita ao acesso. Império da Tijuca e União da Ilha são as principais desafiantes ao caneco. UPM e São Clemente correm por fora na briga.

As escolas rebaixadas só podem ser Lins Imperial, Vigário Geral e União de Jacarepaguá. Existe um abismo entre as 3 e as demais coirmãs.

E hoje tem grupo especial! Sintonizando na Bicuda FM você também consegue acompanhar tudo o que acontece na Nova Intendente.

By Thales Basilio

Thales Basílio é editor e redator, formado em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos pela UFF com pesquisa em carnaval carioca. Desde 2022 integra o time da Bicuda.

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