Abrindo a última noite de desfiles da Série Ouro, o Sereno de Campo Grande fez uma apresentação simpática. O enredo sobre a festa de Santa Bárbara, sincretizada com Iansã na Bahia, rendeu um dos melhores sambas do grupo e foi desenvolvido com simplicidade e didatismo. A plástica da escola era honesta e a apresentação da bateria foi segura – embora o mestre Vinícius insistisse em repetir as duas únicas bossas que ele preparou a todo momento.

Mesmo com os percalços naturais para uma escola que retorna à Sapucaí, acredito que o Sereno fez desfile para permanecer com tranquilidade.

Segunda escola a se apresentar na noite de ontem, a Em Cima da Hora trouxe para a Marquês de Sapucaí uma ode aos trabalhadores do Brasil. Com uma ala retratando o Manifesto comunista e uma alegoria representando o presidente Lula, a escola conseguiu traduzir seu enredo de forma clara e competente. A bateria do mestre Léo Capoeira, que por três vezes “entrou em greve” durante a apresentação, viveu noite de gala. A agremiação, porém, sofreu com sérios problemas em alegoria e evolução. Além disso, a comissão de frente, que se apresentou sem tripé de apoio, tinha uma coreografia muito truncada em razão das mudanças de roupa.

Mesmo com um desfile simpático, a escola deve amargar as últimas posições.

O Arranco, terceira escola a passar pelo sambódromo, foi uma grata surpresa. O enredo sobre Nise da Silveira com um viés lúdico e imaginativo rendeu um desfile colorido, leve e imagético. O conjunto de alegorias apresentou um rico trabalho de forma e cor – golaço do estreante carnavalesco Nicolas Gonçalves. A comissão de frente, que retratava a doutora Nise libertando pessoas supostamente loucas, foi um dos destaques da noite.

Se o Arranco não foi tecnicamente perfeito, certamente tem quesito para figurar no meio da tabela – ou até alçar voos mais altos.

Na sequência, a União da Ilha fez seu terceiro desfile após o retorno ao segundo grupo. Propondo o encontro entre Amora, personagem do livro do Emicida, e os erês, a agremiação fez uma apresentação rica e deslumbrante do ponto de vista narrativo. Amanda Poblete, primeira porta-bandeira da escola, foi um show à parte. Tivesse um samba-enredo melhor, a escola teria sobrado até aqui.

A Ilha certamente estará nas primeiras colocações.

E falando em briga, a próxima escola a se apresentar foi a Unidos de Padre Miguel. O frisson era enorme: em toda a pré-temporada, só se falava que desse ano não passa. Se por um lado isso incentiva o trabalho da escola e empolga o componente, por outro causa uma enorme ansiedade. E parece que a escola quis garantir que esse ano nada sairia do lugar; os carros não eram grandiosos – o abre-alas era de chassi único -, a estética era bastante tradicional e o enredo foi trabalhado de forma didática e linear. Preparada como nunca para levar o título, a escola certamente foi a que melhor defendeu os nove quesitos.

Descontos podem ocorrer em mestre-sala e porta-bandeira, samba-enredo e harmonia. Acho difícil, e, mesmo com eles, entendo que a UPM pode – e deve – conquistar o sonhado acesso ao Grupo Especial.

A Unidos de Bangu foi a sexta escola a se apresentar. Falando de São Jorge, a agremiação teve um início muito impactante. Igor Vianna e bateria começaram a toda, o abre-alas era muito imponente e as luzes da Sapucaí estavam trabalhando como nunca. Pouco a pouco isso murchou: a iniciativa de mestre Laion de fazer a bateria parar para a comunidade cantar evidenciou as falhas de harmonia, as demais alegorias não acompanhavam a qualidade da primeira – especialmente a terceira, de péssima concepção e acabamento – e o desenvolvimento do enredo foi genérico.

Faltou consistência à Bangu, embora pareça que a escola está cada vez mais pronta para dar o salto de qualidade que ela ensaia desde 2023. Esse ano, é meio de tabela.

Penúltima escola a se apresentar, a São Clemente fez um desfile extremamente complicado. O péssimo samba serviu de trilha sonora para um desfile frio, sem vida e esteticamente questionável. De positivo, vale destacar o primeiro casal, Alex e Raphaela, e o bom conjunto de fantasias. Também merece menção o esforço de Raphaela Gomes, rainha de bateria da escola, que desfilou com o braço quebrado.

Sinceramente, é difícil de acreditar que essa São Clemente estava no grupo especial até 2022. Em 2024, deve amargar as últimas posições da Série Ouro.

A última escola a se apresentar foi o Império Serrano. Primeiro, vale sempre registrar: como o Império tem função! A escola chega na Sapucaí e a energia muda; é muito baluarte junto, muita ancestralidade. Exemplo disso foi o que pra mim é a grande imagem da Série Ouro: não sei se foi ensaiado, mas em determinado momento da apresentação da bateria no primeiro módulo, o mestre Vitinho abriu espaço e o mestre Faísca, seu pai e lendário mestre imperiano, usou sua bengala como batuta e regeu a Sinfônica. Isso é escola de samba!

Com uma apresentação forte e opulenta, o Império pode deixar pontos pelo caminho nos quesitos enredo, alegorias e adereços e casal de mestre-sala e porta-bandeira.

Passando a régua

Esse título é da UPM. Pro meu gosto, Império Serrano e União de Maricá completariam o pódio. União da Ilha estaria por ali correndo por fora na briga.

Embora tenha feito um desfile que caiu no gosto da bolha carnavalesca, acredito que a Em Cima da Hora disputa o descenso com Acari e Império da Tijuca – que fez a pior apresentação do grupo, com folgas. Não acharia injusto se Vigário ou Inocentes fossem rebaixadas. Embora não mereça, acredito que o rebaixamento também pode acabar sobrando pro Sereno.

By Thales Basilio

Thales Basílio é editor e redator, formado em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos pela UFF com pesquisa em carnaval carioca. Desde 2022 integra o time da Bicuda.

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