Roda de samba, que em 2025 completa seis anos, segue firme no propósito de relembrar canções e compositores com pouco espaço em outras rodas... E de trazer a comunidade de Mangueira para cantar junto

A MANGUEIRA ME CHAMA, EU VOU[i]
Ocupando uma laje aos pés do morro onde nasceram sambistas imortais, o Terreiro de Mangueira, definitivamente, não é uma roda de samba como tantas por aí. Preocupados com o resgate de canções esquecidas e compositores pouco difundidos do gênero, quatro amigos – Aline Maia, Aurea Monteiro, Lúcia Maria e Valmir Ferreira – resolveram produzir sua própria roda de samba. De lá para cá, são mais de cinco anos de um projeto que encanta e atrai cada vez mais frequentadores apaixonados pelo samba de raiz.
Desde o início, a ideia era produzir algo vinculado a uma comunidade, devolvendo a elas um pouco da riqueza cultural que legaram às formações musicais do grupo de amigos. Testaram alguns outros locais, até chegarem ao espaço que hoje ocupam. Foi a irmã de Lúcia Maria quem indicou o bar Varandão e, assim que entraram, souberam que era ali. Nas palavras de Aline Maia, “o lugar nos escolheu”.
ISSO É COISA DA ANTIGA[ii]
O repertório é bem diferente do que se costuma ouvir em outras rodas de samba. Não há uma preocupação de tocar grandes sucessos comerciais do gênero. Além disso, de tempos em tempos, alguns sambistas históricos são homenageados. Nomes como Candeia, Mauro Duarte, D. Ivone Lara, Wilson Moreira, Roberto Ribeiro, Monarco, entre outros.
Contudo, isso não foi algo pensado para ser conceitual ou um diferencial em relação a outros lugares. Foi uma escolha natural, já que são as canções que os músicos e idealizadores do projeto costumam ouvir no dia a dia e cantar em suas reuniões particulares. Valmir Ferreira, que também é cavaquinista da roda, relata que já havia tentado tocar, em outros projetos dos quais participou, sambas que foram menos comercializados, e sentia certa resistência.
EU QUERO LHE VER CANTANDO, SORRINDO E SAMBANDO[iii]

Outra característica fundamental do Terreiro de Mangueira é que ela seja uma roda acústica, ou seja, sem microfone para amplificar as vozes. Esse aspecto traz uma troca de energia entre o público e os músicos, na medida em que, para ouvir o que está sendo executado, é preciso estar perto da roda, prestar atenção e ouvir as canções. Isso faz com que público e músicos estejam mais conectados do que numa roda amplificada.
– “É difícil, às vezes está muito cheio, tem uma galera que fica em volta conversando. A gente para o samba, dá um toque, pede para respeitar. A gente está conseguindo. Mas eu acho que o fator principal é isso: o calor do público que é fundamental”, destaca Valmir.
Janaína Oliveira, frequentadora assídua desde as primeiras edições, concorda. Ela conta que conheceu os idealizadores do projeto há cerca de dez anos, no samba da Pedra do Sal, que ocorre às segundas-feiras. O que a cativou no Terreiro de Mangueira, além do resgate de canções que contam a história do samba, é justamente a resistência de fazer uma roda acústica. Ela ressalta o aspecto educativo e de ancestralidade que isso evoca:
– “Tem sambas que eu sei até hoje, mas eu aprendi em partes, a cada semana uma parte diferente. E isso acontece na experiência do samba acústico. É uma dinâmica que exige presença. A roda acústica exige que você esteja ali, que você se conecte. Eu acho que essa dinâmica se conecta com a ancestralidade dos povos africanos, com a cultura afrobrasileira, que é tudo em roda”.
AO SER NATURAL EM SUA POESIA, O POVO LHE FAZ IMORTAL[iv]
A quantidade de público oscila bastante, já houve edições com uma frequência rotativa de mais de quatrocentas pessoas, mas também já houve edições com cerca de cem pessoas, o que, para os produtores, não é um problema. O importante, segundo eles, é conseguir remunerar os músicos e demais colaboradores de maneira justa e ter um ambiente alegre, em que eles possam também se divertir enquanto trabalham.
Dentre esses frequentadores, alguns se destacam pela visibilidade que geram e pela reconhecida militância em favor do samba de raiz. Uma delas, a cantora Teresa Cristina, não perde a oportunidade de indicar o Terreiro de Mangueira sempre que pode. Outro, o músico, produtor e jornalista Tiago Prata, o Pratinha, apontou a roda de samba do Terreiro de Mangueira como a melhor de 2024.
Os produtores não perdem de vista a importância desse reconhecimento, ainda mais em se tratando de pessoas relevantes no meio e de muito senso crítico quando o assunto é samba. No entanto, ressaltam que isso nunca foi uma busca. O objetivo maior sempre foi ser abraçado pela comunidade em que o projeto está inserido. Esse é o desafio: ser relevante para comunidades que são sempre muito lembradas por suas Escolas de Samba, e menos por esse movimento de samba fora das quadras das agremiações.
E o povo de Mangueira está, cada vez mais, se aproximando. Quando há eventos na quadra da Estação Primeira, muitos passam antes no Terreiro de Mangueira, para curtir a roda. Uma espécie de concentração. Para aumentar ainda mais esse movimento, a entrada é gratuita para os moradores da comunidade.
DE OUVIR AS MARIAS, MAHINS, MARIELLES, MALÊS[v]
Sobre o significado de serem três mulheres pretas entre as que tocam o projeto, Aline Maia frisa a importância disso, dada a dificuldade de se produzir cultura no Brasil:
– “Isso é muito importante, mais do que para o projeto, para nossa vida. Uma realização pessoal, porque fazer cultura no Brasil é uma luta e a nossa vida é constituída por lutas, então eu acho que é mais uma luta fazer um projeto desse, que não tem financiamento, que não tem incentivo. Mas é uma luta que a gente acredita. Encontra a gente no desafio, mas também na realização de fazer uma coisa que a gente acredita. O evento tem três mulheres pretas na produção, mas tem também, na maioria das pessoas que trabalham no projeto, esse perfil”.
É com essa garra, e sorriso no rosto, que sobreviveram a uma pandemia e continuam fincando a bandeira do samba de raiz há mais de cinco anos, todo terceiro sábado do mês, na Avenida Visconde de Niterói, 512, Mangueira (Bar Varandão), a partir das 15h. Há três anos, comandam também uma roda nas edições do Trem do Samba, evento em comemoração ao Dia Nacional do Samba (2 de dezembro). É só chegar!

[i] Verso de A Mangueira Me Chama, de Nelson Cavaquinho, Bernardo de Almeida Soares e José Ribeiro
[ii] Verso de Coisa da Antiga, de Wilson Moreira e Nei Lopes
[iii] Versos de O Império Tocou Reunir, de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola
[iv] Verso de Testamento de Partideiro, de Candeia
[v] Verso de História Para Ninar Gente Grande, de Danilo Firmino, Deivid Domenico, Luiz Carlos Maximo Dias, Manu da Cuíca, Marcio Bola, Ronie Oliveira, Silvio Moreira Filho e Tomaz Miranda