Foto: Tata Barreto/Riotur
Hora de colocar em perspectiva o que passou pela Sapucaí no domingo e na segunda e antecipar o que pode acontecer na última noite de grupo especial do carnaval carioca.
Domingo
De antemão, já digo que a Imperatriz viveu uma noite de anos 90 e é favoritíssima ao caneco – junto com a Beija-Flor, mas esse é um papo mais pra frente. A grande notícia da primeira noite de desfiles do grupo especial, porém, é o retorno triunfante da Unidos de Padre Miguel ao primeiro grupo depois de longos 53 anos.
Foi comovente ouvir a UPM esquentando com Ossain, trilha sonora do fatídico desfile de 2017, especialmente por Vinícius e Jéssica ainda serem o primeiro casal do Boi Vermelho. Na pista, a escola deu tudo de si. O povo de Padre Miguel gritava o samba e fez tudo o que podia com fantasias pesadíssimas, principalmente nos dois primeiros setores – o que pode dar a entender para o júri que a harmonia e a evolução, ambas muito competentes, foram aquém. A comissão de frente entregou tudo o que falta ao quesito nesse ano: coreografia e alma, sem truques baratos com LEDs e drones.
A escola teve falhas em enredo e na parte plástica, mas fez um desfile de escola de samba completo. À exceção da Imperatriz em 2022 – que é uma anomalia -, a UPM entregou o melhor desfile de quem vem do acesso desde Batuk. O desempenho é muito superior aos desfiles rebaixados – e a outros que deveriam ter sido – nos últimos 10 anos.
Segunda escola a se apresentar, a Imperatriz falou sobre a visita de Oxalufã a Xangô, enredo que de tempos em tempos ressurge nos desfiles do Rio. E que aula Leandro Vieira deu a contá-lo; o homem não é o carnavalesco do momento por acaso. A concepção dos carros gresilenses era uma loucura, e não tinha nada fora do lugar no conjunto alegórico. As fantasias eram um desbunde e o enredo foi contado no detalhe, com uma clareza cristalina. Na parte musical, Pitty deu provas de porquê é o melhor intérprete da nova geração; já mestre Lolo, embora tenha exagerado nas bossas – dificilmente se viu uma passada inteira da Imperatriz sem intervenções, o que é um pecado -, mostrou que tem uma das melhores baterias do carnaval.
Somente duas coisas me incomodaram na Imperatriz. Primeiro, a comissão de frente poderia tranquilamente ter vindo no chão. O chão molhado onde os componentes evoluíram e a pequena plataforma que elevou Oxalá no fim da apresentação não justificavam o enorme tripé do conjunto. Além disso, a evolução da escola foi muito arrastada.
Como eu acho que ela não vai perder pontos nem por uma coisa por outra nem outra, a GRESIL é a primeira candidata ao título do carnaval de 2025.

Foto: Juliana Dias/SRzd
A primeira noite era tida no pré-carnaval como um franco embate entre Imperatriz e Viradouro, mas isso não se confirmou na prática. Se carnaval fosse decidido nos primeiros 10 minutos, os niteroienses seriam campeões: é impressionante a pressão imposta pela escola no início do desfile. Mas, tal como aquela bomba de açúcar pós-almoço, o efeito logo passou. O conjunto alegórico da vermelho e branco era irregular – além de mal acabado em alguns momentos -, a evolução foi conturbada e o enredo teve um desenvolvimento aquém – as fantasias, especialmente, não contribuíam em nada com o entendimento da coisa toda. Além disso, a bateria do mestre Ciça passou embolada e a comissão de frente – que, pelo menos, fazia um uso interessante do tripé – teve problemas depois do módulo 3.
É bem provável que o júri seja complacente com a Viradouro, mas se ela for julgada no rigor do manual, pega ali um oitavo lugar e começa a pensar no ano que vem.
Fechando a primeira noite, a Mangueira fez um desfile muito aquém do que pode e do que o excelente enredo de 2025 pedia. Não vale se estender, mas a escola pode perder pontos, por baixo, em comissão de frente – no setor 3, a coreografia se embolou na apresentação dos dois grupos cênicos -, samba-enredo, bateria e alegorias e adereços. Os mangueirenses também tiveram a pior evolução da noite e um desempenho frágil do carro de som.
Francamente, no papel, a UPM passou melhor.
Segunda
Abrindo o segundo dia, a Unidos da Tijuca fez um desfile de reencontro com ela mesma. O samba acabou se provando um dos melhores do ano, e a comunidade passou feliz pela avenida. Mestre Casagrande, na média, fez mais uma apresentação pros 40 pontos – e sem abusar das bossas: a tônica da Pura Cadência foi a sustentação da levada, sem firulas. Problemas na apresentação do casal, na parte plástica e de evolução aguaram maiores aspirações dos tijucanos, mas o trabalho foi feito: o que importava era colocar novamente a escola nos eixos.
Vale frisar um grande senão do desfile da Tijuca. A comissão de frente, além de trazer um LED horroroso, se apresentou no breu; foi muito difícil acompanhar no detalhe o que acontecia. Isso pode comprometer as notas, claro, mas é, acima de tudo, um desrespeito com o público.
E aí veio a Beija-Flor. Como tem sido repetido por aí, enfim o Laíla pôde descansar em paz. Que homenagem! O início da escola, em tons mais terrosos, lembrava muito as entradas da Beija-Flor nos anos 2000. Isso era prenúncio de que os nilopolitanos viveriam uma noite de rolo-compressor, relembrando a azul e branco dos melhores tempos – a azul e branco, é claro, do Laíla.
Eu não vou falar do quesito-a-quesito aqui, porque isso é detalhe. A apresentação da Beija-Flor foi daquelas que fazem os jurados virarem pro outro lado na hora de canetar. E isso se deve a uma coisa fundamental nessa parada de escola de samba: alma. O desfile da Beija-Flor teve alma; a alma do Laíla, a alma do João, a alma de quem deu o sangue pra tirar Nilópolis do noticiário regional e colocar no centro do maior espetáculo do mundo.
O que fizeram os mestres Rodney e Plínio, Neguinho e, acima de tudo, a comunidade nilopolitana, foi de honrar o legado do maior de todos – e nada mais.
O título vem? Talvez sim, talvez não. Mas as pazes entre Beija-Flor e Laíla estão feitas e a escola foi, de novo, a máquina de moer o chão da Sapucaí.

Foto: Stephanie Rodrigues/g1
A noite já ia sendo de reencontro de escolas com elas mesmas, e o Salgueiro comprovou que esse foi o mote da noite. Com uma incrível abertura em vermelho e branco, relembrando toda a imagética construída por Fernando Pamplona e que permaneceu nos anos 70, 80 e 90, o Sal fez o desfile mais “Salgueiro” em muito tempo. Pra ajudar, até o preto velho do desfile de 92 veio bater ponto no abre-alas.
Com tudo isso, a escola fez a melhor defesa de quesitos em anos. Bom desenvolvimento de enredo, bom conjunto plástico, harmonia segura e uma evolução que não fez ninguém perder os cabelos, como nos acostumamos a ver nos desfiles salgueirenses. E isso sem contar a apresentação do primeiro casal, Marcela e Sidcley, que estão um degrau a cima de qualquer outro par do carnaval carioca. Mestre-sala e porta-bandeira, inclusive, foi o grande tema desse desfile – pelos motivos certos e errados.
Talvez falar em título pro Salgueiro seja demais, existe margem para despontuação em samba, bateria e comissão de frente. Mas se o desfile desse ano foi melhor que o Hutukara, e Hutukara pegou quarto lugar… O salgueirense tá sonhando e tem direito.
E, bom, Vila Isabel né. No papel, a escola merecia o rebaixamento só de largar na apuração com um samba 9.6 e se recusar, como foi em 2023, a defender o quesito enredo de forma consistente. Com um conjunto plástico que mais parecia um portfólio do Paulo Barros e problemas em comissão de frente e casal, não é exagero dizer que a escola desfilou muito pior que a UPM. Isso não significa que ela vai ser rebaixada; mas que merecia, merecia.
No mais
É urgente que escolas e LIESA parem tudo o que estão fazendo para repensar o flow do desfile de escola de samba. Com a adição de um novo módulo de jurados, agora os desfiles param quatro vezes por seis minutos ou mais por causa das apresentações de comissão de frente e casal, e isso destruiu o quesito evolução. E não só: depois de 20 minutos, todas as escolas ficam com uma certa sensação de modorra. Parar com apresentação específica pra júri, voltar com o módulo duplo, tudo isso e mais um pouco. Mudanças precisam ser implementadas, e pra ontem;
A divisão em três noites e a roda de pagode criada pra justificar essa patacoada não funcionaram. Ou o grupo especial passa a ter 15 escolas ou volta pros dois dias;
O som da Sapucaí não vai deixar de ser uma questão enquanto a Rio Carnaval não tratar isso como prioridade. Precisa de obra de infraestrutura, precisa de um novo parceiro para carro de som, precisa modernizar a área internamente. O que acontece esse ano, com quedas, falta de retorno e confusão no som da bateria, coloca em risco tudo o que se faz pelo desfile das escolas de samba no Rio;
Camarotes, né? O problema só se agrava;
De positivo, destacar que de fato a pista foi “limpa” dos intrusos que ficavam passeando no meio dos desfiles. Na pista, só imprensa e membros da Liga e das Escolas, com raríssimas exceções.
Para hoje
Total expectativa pelo desfile da Grande Rio. O título está aberto e, se a escola empolgar como promete, com os quesitos que tem, pode sair da Sapucaí com a taça na mão e um açaí na outra.
Mocidade tem tudo para fazer mais um desfile de reencontro com ela mesma entre tantos outros, a partir do retorno de quem pilotou seus maiores momentos. Pra isso, tem que dar o sangue na parte musical e subir um degrau nos quesitos plásticos – o que tem sido a dor de cabeça da escola a década inteira.
O Tuiuti, bem, tem que fazer o desfile da vida. O fantasma da UPM vai perseguir todo mundo que escorregar.
E a Portela é uma incógnita. Tem enredo, tem quesito, e tem 22 campeonatos no lombo. A torcida é sempre pelo melhor pras bandas de Madureira. A ver.