Eu só ouço os sambas do ano quando sai o CD.

Disputa eu já não acompanho há coisa de década. Até outro dia ainda olhava samba ou outro durante as finais, chegava a ouvir os vencedores na gravação dos compositores; hoje, nem isso.

A conta é: ou fico longe ou não faço outra coisa na vida.

(Exceção esse ano à Imperatriz, porque eu tive que conferir a tal junção. Desde cedo falo que ela não ficou ruim como era apregoado por aí, o que foi sendo confirmado com o tempo)

E isso guarda uma bença: eu tenho a felicidade de ser impactado de cara pelos sambas do ano na última versão, aquela que vai pra avenida, com o intérprete que vai cantar, sem retalhos; não tem aquilo de comparar com a gravação dos compositores. Na hora de conhecer o CD, eu sou só um ouvinte tendo contato com algumas faixas pela primeira vez.

Todo esse preâmbulo – eu nem gosto de um preâmbulo – pra dizer: lá vão minhas primeiras impressões da safra.

Imperatriz. Que samba GOSTOSINHO. A letra não é lá essas coisas, mas tem passagens inspiradas aqui e ali – gosto muito da cena construída na cabeça do samba, e o refrão O que é meu é da cigana (…) é um achado. E o principal: “avenida da ilusão”, que chavão BOM.

Viradouro. Muito bom ouvir o Wander na Viradouro depois do fatídico 2010 – faixa, aliás, que eu adoro. Sobre o samba do ano, acho a letra meio embolada, mas a melodia – que ganha horrores com a baita interpretação do Wander – é muito boa. Grande faixa.

Vila: Isabel.

Mangueira. Eu posso até mudar de opinião, mas achei de um GENÉRICO que dá dó; o samba é igual a toda homenagem mediana que já foi pra Sapucaí. De positivo: se ninguém me falasse, eu saberia que a faixa é da Mangueira no terceiro acorde.

Beija-Flor. DOA A QUEM DOER. Eu gosto. A letra é ótima, e a melodia é bem gingada, especialmente na segunda – embora ela acabe num pequenino bololô por causa do é ela. Sobre a gravação, achei a bateria muito saidinha em se tratando de Beija-Flor. No mais, o registro de sempre: Neguinho é um acontecimento.

Grande Rio. A Record reimprimiu o livro, mas ainda não li; enfim. De primeira achei que o samba era uma junção, porque a letra na primeira parte é mais descritiva, e na segunda bem abstrata; tudo, porém, embalado por uma boa melodia. Ps: o samba não tá num tom meio baixo pro Evandro?

Salgueiro.

Você diz lembrar do povo Yanomami em 19 de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em Yanomami pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau Brasil!

Tuiuti. Como ganha o CD do especial com a chegada do Pixulé. E, ó: sambaço. Ele envelopa com uma melodia pra cima uma história sobre o que de pior – racismo, tortura, traição – já existiu no Brasil. E samba é isso aí. Baita letra, que apresenta o enredo com uma competência ímpar. De ressalvas, só ao refrão do lerê lerê.

Tijuca. Pra mim é não.

Portela. Nasci quilombo e cresci favela! Eu tô com 100% de aproveitamente em livros não lidos pro carnaval de 2024. Seguimos. Um senhor samba, e sem mais.

Mocidade. A escola pegou o samba, deu pro Zé Paulo e falou: vai. O que o homem faz na faixa é SACANAGEM. Aquele O puro suco do fruto do meu amor é de cantar dando cambalhota. De resto, como falar dum samba que junta castanha, Debret, cafundó, o monumento do seu Luiz Inácio e modernismo?

Porto da Pedra. Impressionante como o Wantuir tá feliz, soltinho toda vida na gravação. A interpretação dele, junto com a bateria do mestre Pablo, tornam o Lunário uma das melhores faixas do CD. Sobre o samba, é funcional com bons momentos. Na real, não fosse algumas palavras-chave -“lunário”, “sabedoria”, “folheando” – pareceria mais um como qualquer outro sobre o nordeste.

By Thales Basilio

Thales Basílio é editor e redator, formado em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos pela UFF com pesquisa em carnaval carioca. Desde 2022 integra o time da Bicuda.

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