Numa noite em que várias escolas tiveram problemas para entrar na avenida, o primeiro dia de desfiles na Sapucaí foi marcado pela superação.
A chuva, que castigou tanto os barracões no período do pré-carnaval, acabou não caindo.
Quem abriu os trabalhos foi o Arranco do Engenho de Dentro, escola que todo sambista estava ansioso para ver passar. O enredo em homenagem a Zé Espinguela foi surpreendentemente bem desenvolvido pelo estreante Toin Gonzaga – olho nele! – e o bom samba resultante foi bem cantado pela comunidade. Mesmo com os problemas que marcaram a cabeça da escola, sobretudo casal, o Arranco deve permanecer sem sustos no grupo.
A Lins Imperial passou logo na sequência, e a tão esperada apresentação sobre Madame Satã foi uma confusão. Não só um dos chassis do segundo carro ficou pelo caminho como o abre-alas teve um princípio de incêndio em plena Sapucaí. Mesmo tendo alguns quesitos em que se apoiar, a escola vai pelo milagre na apuração de quarta-feira de cinzas.
Acadêmicos de Vigário Geral deu sequência ao furdunço. A tricolor fez aquela típica apresentação que num panorama geral até é simpática, impressão que não resiste a um olhar mais minucioso. O enredo infantil foi desenvolvido de forma genérica e confusa, o conjunto de fantasias era um vexame e o samba, que já não era bom, não empolgou. Com problemas em quase todas as áreas do desfile, a situação de Vigário é bem complicada.
A quarta comunidade a se apresentar foi a da Estácio de Sá. O enredo fabulístico sobre a cidade de São Luiz do Maranhão acabou resultando num desfile simpático. A plástica da escola surpreendeu positivamente e o samba, tocado com a qualidade – e ligeireza – de sempre pelo mestre Chuvisco, foi bem cantado pelos componentes. Não fosse o desastre com a fantasias das passistas o Berço do Samba poderia sonhar com as primeiras posições.
Quando a Unidos de Padre Miguel pisou na Marquês de Sapucaí ficou claro que o patamar da noite seria elevado. A escola tem equipe de grupo especial, comunidade de grupo especial, investimento de grupo especial, mas amarga a triste sina de não conseguir de jeito nenhum sair do grupo de acesso. Problemas pontuais não comprometeram o grandioso desfile do Boi Vermelho, que foi um sacode de cabo a rabo.
A penúltima escola a passar pela Marquês de Sapucaí na primeira noite foi a estreante Acadêmicos de Niterói. Falando dos 450 anos de sua cidade com foco no carnaval local, a agremiação deu sequência ao bom trabalho que a Sossego vinha desenvolvendo na Série Ouro. Destaco as grandes esculturas dos dois primeiros carros alegóricos e a apresentação magnífica de Fabrício e Giovanna – que estava em noite inspiradíssima. De negativo fica o andamento da bateria de mestre Demétrius. O andamento descontroladamente acelerado não mascarou o frágil samba de Niterói, só impediu que os componentes pegassem fôlego para cantá-lo.
Quando a São Clemente começou a pisar o chão da Marquês de Sapucaí o dia já estava pronto para nascer; metade do desfile da agremiação foi no escuro e metade foi com o sol dando o seu recado. E que desfile. Jorge Silveira é um craque, e o que ele fez em termos de desenvolvimento de enredo é digno de nota. Narrativa com começo, meio e fim, plástica impecável e soluções estéticas que evocavam suas referências artísticas – impossível não lembrar de Fernando Pinto, por exemplo. Com a melhor comissão de frente da noite e um casal seguro, não é exagero colocar a Amarelo e preto de Botafogo na briga pelo título. O único senão é a harmonia, muito – mas muito mesmo – abaixo do aceitável. Também não é fácil cantar com galhardia para arquibancadas praticamente vazias, convenhamos.
A ver como se saem as escolas da segunda noite. As expectativas são as melhores.